segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Baila Comigo

Homem conduz mulher para o centro da pista de dança. Eles dançam unidos durante toda a cena.

H - Belo vestido.
M - Obrigada.
H - Prático.
M - Pois é.
H - Fácil de tirar.
M - Depende.
H - De quê?
M - Da quantia.
H - Mil.
M - Dois.
H - Mil e uma arma na sua cintura. Se você se mexer, gritar ou parar de sorrir, eu te mato.
M - Quem é você?
H - Não importa. Você é uma puta, vem aqui toda semana, conhece cada metro quadrado desse hotel e vai me ajudar. Ah, você tem uma filha de quatros anos, chama-se Júlia. É linda.
M - Como você sabe? O que você vai fazer com ela?
H - Nada. Se você me ajudar..

Silêncio.

M - Como?
H - Na mesa atrás de você tem um homem de gravata azul. Você vai seduzi-lo, vai levá-lo até o banheiro e ele vai morrer.

Silêncio.

H - É simples. Você tem peitos lindos. Não vai ser difícil. Se ele desconfiar de alguma coisa, você nunca mais verá a sua filha.

Um garçom se aproxima.

H - Yo soy jugador. Vivo en Madrid.
M - Hã?
H - No compreendes? Madrid, España.
Garçom- Uísque?
H - Dos.

Garçom sai.

M - Que isso? Quem é você afinal?
H - O espanhol é um idioma quente. Está sentindo?
M - O quê?
H - A arma.
M - Sim.
H - Está pronta?

Silêncio.

M - Sim.
H - Eu vou sair, mas tenho homens obervando cada passo teu. Faça o que deve ser feito.
M - Gravata azul.
H - Cabelos grisalhos.
M - Banheiro.
H - Feminino.
M - Eu saio.
H - Pelos fundos. Tem um carro.
M - Que vai me levar pra casa.
H - Pra sua filha.
M - Com mil no bolso.
H - Com dez se tudo correr bem.

Silêncio.

Homem beija a mulher e sai. Garçom entra com os copos de uísque. Blackout.

Copos cheios, copos vazios

Fábula do texto dramático "Copos cheios, copos vazios", contido neste blog.

Um urso de pelúcia gigante agarra um homem no meio da rua, implora para que ele o leve consigo e ameaça-o de morte com uma faca. O homem recebe um telefonema, leva o urso para a produtora onde trabalha, o urso faz um comercial de refrigerante e eles iniciam uma grande parceria. O urso fica famoso, não consegue mais caminhar nas ruas. É assediado, frequenta festas badaladas e é fotografado sempre com mulheres lindas. Um dia, o homem recebe uma ligação. Seu amigo urso teve uma overdose e está no hospital. Ele vai visitá-lo. Depois de um mês, o urso recebe alta, escreve um livro de auto-ajuda e viaja o país todo dando palestras sobre superação, mas entra em depressão. Ele tenta se suicidar e é impedido por uma ursa que, parada no meio da rua, agarra-o, implora para que ele a leve consigo e ameaça-o de morte com uma faca. Eles se casam.

Análise de texto - Bodas de Sangue

Bodas de Sangue, de Federico García Lorca, em uma respiração fast-food:

Bodas de Sangue narra a preparação de um casamento que termina tragicamente por motivos e forças antecedentes à ação. A noive foge com Leonardo, dos Félix (família responsável pela morte do pai e do irmão do noivo). O noivo impulsionado pela mãe, vai atrás dos dois. Ele e Leonardo morrem. Mãe e Noiva velam.

Análise de texto - "O Malfeitor", Tchécov

Analisando a peça "O Malfeitor", de Tchécov, quanto aos diálogos, identificamos dois pontos muito interessantes. O primeiro diz respeito à linguagem. Enquanto o Delegado faz uso do português correto, tal qual escrevemos, as falas da pescadora são escritas indicando como a personagem falaria. As palavras são transformadas, cortadas, unidas, criadas...

Ex: Sinhôri, quintáli, ôzinha (euzinha), andim, percura, mió...

A diferença de registros distancia os personagens e faz com que o leitor/espectador crie empatia pela pescadora, personagem simples e ingênuo. Essa empatia, somada à forma rígida com a qual o delegado conduz as investigações de um crime que, a princípio, parece perdoável, nos fazem esperar por um desenlace onde a Pescadora seja absolvida. Mas Tchécov apresenta um novo e último acontecimento que nos surpreende e faz com que concordemos com a postura tomada pelo delegado.

Análise de Texto - Monólogos

Para analisar mónologos, recorri a dois dos maiores dramaturgos da história: Shakespeare e Moliére. Separei dois trechos de textos e naturezas distintas para diferenciar o monólogo do falso diálogo. A cena II, do ato V, da peça "Don Juan", de Moliére, contém um monólogo onde o protagonista, em falso diálogo com Leporelo, que está em cena apenas para ouvi-lo, discursa através de duas páginas e meia sobre a hipocrisia.

Don Juan: A hipocrisia é um vício. Mas está na moda. E todos os vícios na moda são virtudes. O personagem do homem de bem é o mais fácil de interpretar em nossos dias (...) O exercício da hipocrisia oferece maravilhosas possibilidades (...) É assim que um sábio torna virtudes os vícios de seu tempo. "


O segundo trecho que separei é um monólogo de Calibã e acontece na segunda cena do segundo ato da peça "A Tempestade", de Shakespeare. Nele, o monólogo é utilizado para que o leitor/espectador entre na cabeça do personagem e saiba o que ele está pensando. É um monólogo, por definição. Calibã está sozinho em uma ilha.

Calibã: Que quantas infecções o sol aspira dos atoleiros, dos pauis e charcos, sobre Próspero caiam, morte lenta fazendo-o padecer. Necessidade tenho de amaldiçoá-lo, muito embora seus espíritos me ouçam (...) Fico todo envolvido por serpentes que me sibilam com suas linguas bífidas, de me deixarem louco.

Análise de Texto - Com certeza, David Ives

Na peça "Com certeza", David Ives faz uso de um recurso épico e original para discursar sobre a in(comunicabilidade).

"Betty, uma mulher de vinte e tantos anos está lendo numa mesa de bar. Oposta a ela, há uma cadeira vazia. Bill, da mesma idade, entra".

A partir daí, Bill, que não conhece Betty, tenta iniciar um diálogo com ela. Toda vez que esse parece se esgotar, uma campainha toca e Bill volta à ultima fala de onde pode dar um rumo diferente à conversa. No início, a campainha soa com intervalos pequenos de tempo. Aos poucos, os dois estabelecem conversas mais longas e acabam a cena indo ao cinema juntos, depois de conversarem sobre filmes, casamento, filhos, entre outras coisas.

O AUTOR: David Ives é um autor contemporâneo, nascido em Chicago, conhecido por suas peças curtas, onde desenvolve através de diálogos rápidos e curiosos, tramas interessantes e originais. É o caso de "Palavras, palavras, palavras", "Filadélfia" e "Com certeza".

sábado, 20 de novembro de 2010

Estrutura Dramática


Comédia: Reposição da ordem natural das coisas. A ação evolui do problema para a solução.
Tragédia: A ação evolui da ordem natural das coisas para o problema, sem solução.

Análise de Texto: A Serpente - Nelson Rodrigues

Analisando o texto de Nelson Rodrigues a partir de sua estrutura dramática, identificamos claramente os pontos principais para a evolução da história. A exposição acontece nas duas primeiras cenas, onde o autor apresenta primeiramente a relação de Lígia e Décio e, em seguida, a relação entre lígia e sua irmã Guida - a mais intrigante e importante da peça. Nessa mesma cena percebemos o elemento desencadeador: Guida oferece seu marido à irmã. A partir daí, a peça se desenvolve através do jogo das duas irmãs e do comportamento de Paulo. Depois de Lígia e Paulo passarem a noite juntos, Guida proíbe os dois de se encontrarem e, algumas cenas depois , diz que não irá mais vigiá-los, facilitando o encontro do casal. O nó dramático se dá a partir do momento em que Guida começa a tocar no assunto da morte de Lígia. Paulo fica assustado e Lígia, ao estranhar o comportamento da irmã, questiona se ele seria capaz de matar Guida para defendê-la e conta que Guida disse para ela que sonhou com a morte dele. Diante do jogo das duas irmãs, da paixão que sente por ambas e do medo que sente de morrer, Paulo precisa tomar uma atitude para mudar a situação. Ele empurra Guida da janela, resolvendo, a princípio, esse jogo de forças. Mas a peça acaba com Lígia o acusando e repetindo aos berros que ele é um assassino. Nesse caso, o desenlace do nó dramático parece tornar-se o elemento desencadeador de uma nova ação.

Copos cheios, copos vazios

Uma rua deserta. Um urso de pelúcia gigante. Um homem de terno e gravata entra apressado. Ele passa pela frente do urso e é agarrado.

Urso: Onde você pensa que vai?
Homem: Que isso? Quem está aí dentro.
Urso: Dentro do quê?
Homem: Dessa fantasia ridícula.
Urso: Isso não é uma fantasia.
Homem: Não?
Urso (sereno): Não. Eu sou um urso de pelúcia. Eu estou revoltado. E se você não me tirar daqui, eu vou te matar.
Homem: Eu não estou gostando dessa brincadeira. Eu estou atrasado. Dá pra você me soltar.
Urso (chorando) : Eu preciso de você. Eu não aguento mais ficar aqui.
Homem: Isso é sério?

Urso balança a cabeça assertivamente.

Homem: Como assim?
Urso: Não sei. só sei que eu estava dormindo e acordei aqui. Você precisa me ajudar.
Homem: Como?
Urso: me leva pra sua casa.
Homem: Eu não posso. Estou indo trabalhar.
Urso: Me leva pro seu trabalho.
Homem: O que é que eu vou dizer pro meu chefe?
Urso: Diz que eu sou seu amigo.
Homem: Você quer que eu perca o meu emprego?
Urso: Não. eu quero sair daqui.
Homem: Eu não posso te ajudar.
Urso (chorando como uma criança): Não me obrigue a te matar. Eu gosto tanto de você.
Homem: Você não me conhece.
Urso: eu sou seu amigo.
Homem: Eu estou atrasado, me solta.
Urso (tirando uma faca da sunga): Você não quer ser meu amigo.
Homem: Que isso?
Urso: Minha faca.
Homem: Eu sei que é uma faca. o que você vai fazer com ela.
Urso: Te matar.
Homem: Não.
Urso (chorando descontroladamente): Sim, sim, sim!

Urso encosta a faca no pescoço do Homem. Toque de telefone.

Homem: É o meu. Posso atender?
Urso: Não.
Homem: Por favor.
Urso: Você vai morrer.
Homem: Ésse é meu último pedido.
Urso: tudo bem.

Homem atende o telefone.

Homem: Alô? Como assim? Eu já estou chegando. Falei com ele. Ele disse que ia. E agora? Você quer que eu faça o quê? Agora? Eu estou no meio de uma rua deserta? Sozinho. Não, eu estou com um amigo. Pode ser? Ele é grande. Dois metros mais ou menos. Estamos aí em dez minutos. (Desliga). Vamos! Você vai fazer um comercial de televisão.
Urso (sorrindo): Sério?
Homem: Você sabe cantar?
Urso: Sei.
Homem:Então vamos.
Urso: Eu te amo.
Homem: Menos.

Urso pega o homem no colo. Saem.

Águas Turvas

Entrementes, sorrio, inultilmente,
Cada vez que morro.
Eu, rio, nesse incansável desaguar.
Rio a chorar
Noites que dormem uma eternidade para partir
Escuro, frio
Corrida do vazio ao lamaçal.
Ela, essa, peça, dançando o balé do ego
Berra e esmurra furiosamente,
Entre santos indecentes
Suas mãos ensanguentadas
O que sobrevive a esse bicho
Que chora violência entre abraços, carícias e cuidados?
Ar(repentinamente), escrevo esses versos
Pobres e afogo meu orgulho
Nesse mar de papéis, peles, e pólos.

Análise de Texto: Épico em cartaz

Dois atores se apresentam: "Boa noite, meu nome é Igor, eu sou ator dessa peça". "Boa noite, meu nome é Jean, eu sou ator dessa peça". A partir daí, Igor e Jean, são atores, autores, Hermans, Pedros, Albertos e, principalmente, pais de todos os tipos. Apresentam-nos uma peça sobre uma carta ou, como prefere um deles, uma carta sobre uma peça. Narram, questionam, vivenciam, num lugar onde um livro pode ser substituído por uma folha de papel onde se lê: livro errado. Nesse universo, onde imagina-se xícaras, prateleiras, mares e onde os espectadores são convidados a integrarem a história, ternos e garrafas dizem tudo, em silêncio. "Da carta ao pai", dirigida por Alessandra Gélio, em cartaz no Teatro Solar de Botafogo é uma dessas peças de onde não se quer sair. A estrutura aconchegante (com direito a cafézinho e tudo) e a narrativa desconexa criam o ambiente perfeito para falar dessa, que é uma das mais bonitas e paradoxais relações. Uma peça sobre pais e filhos - não-óbvia.

pedra.caminho

E se a performance se transformasse em um jogo, a rua virasse um tabuleiro e as crianças voltassem a brincar? Se os instrumentos de trabalho fossem largados no chão, as pessoas não voltassem pras suas casas e as bocas serradas se esparramassem em sorrisos e gargalhadas? Se as crianças fossem a cidade e essa, permeada de frescor, brincasse despreocupadamente num fim-de-tarde? É proibido brincar? Você sabe o que é ser feliz? Tinha uma pedra no meio do caminho, na Rua Uruguaiana, no centro do Rio de Janeiro, no coração do Brasil. A pedra que faz do Brasil, um pouco mais brasileiro.













Fotos: Alonso Zerbinato

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ensaio.cegueira

Eram quatro cegos e um guia. Eram cinco alunos. Era o Rio de Janeiro, o bairro da Urca, a Avenida Pasteur - e ficou para trás. Pasteur, Venceslau Brás, General Goes Monteiro, Passagem, General Polidoro, Paulino Fernandes, Voluntários da Pátria, Nelson Mandela. Era uma estação de metrô, em Botafogo. E já era a estação Flamengo, o Largo do Machado, o Catete, a Glória, a Cinelândia, a Carioca, a Uruguaiana, a Presidente Vargas. Era a Central do Brasil, a cidade do Rio. Não era mais o breu, os buracos, os degraus, o chão e o som. Eram pessoas, carros, ônibus. Era a luz, sagrada e violenta, que nos impede de ouvir.





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O curioso Curió


Era uma imensidão de terra seca. O povo que ali vivia já não se lembrava do cheiro da chuva. Curió acordou com um berro de sua mãe na janela.

- Anda, menino! Bota logo esse calção e vem me ajudá, que a gente temo muito leite pra carregá.
O menino saltou da cama assustado, vestiu o calção, a camisa e correu pra carroça, de onde, todos os dias assistia seu programa favorito: a vida sertaneja.
A cidade ficava um bocado longe dali e, como de costume, Romário, o cavalo vira-lata de Curió, como ele mesmo gostava de chamar, não estava muito animado.
Enquanto Romário se arrastava estrada afora e Dona Mercedes cantarolava, Curió, cujo nome de batismo era Valdir, mas nem ele mesmo se lembrava, analisava as imagens que via e questionava.

- Mãe, o mar é verde, azul ou transparente?

Dona Mercedes sorriu e respondeu.

- O nosso mar é alaranjado, menino. Cê não tá vendo, não?

O curioso Curió enxergou o mar pela primeira vez. Estava à sua frente. Era uma imensidão de terra seca.

Studium, Punctum

O punctum forma, juntamente com o studium, a dualidade que norteia o interesse pela foto, para o autor. O studium é um interesse guiado pela consciência, pelo intelecto, como o próprio Roland Barthes classifica: "é da ordem do to like e não do to love"; já o punctum é um interesse particular que se impõe a quem olha a foto, que provoca uma ferida ou uma picada, que faz com que não haja controle sobre as pulsões emocionais.


Em 140 caracteres:

@alonsozerbinato Studium/Punctum. Dualidade da foto - R. Barthes: 1°: Intelecto, "to like", não "to love" / 2°: Interesse particular, ferida, picada, pulsão.

Análise de Texto - "O amante" Pinter, Harold.

Foco: Lirismo

O texto de Harold Pinter é predominantemente dramático, fazendo uso de diálogos rápidos e muito bem afiados. O autor usa as rubricas para definir a peça em sua totalidade: cenografia, figurino, luz, movimentações, gestos, pausas, etc. Pouco se vê de lirismo nas dicussões de Richard, Sarah e Max, cujos focos de atenção estão sempre voltados para o outro e/ou terceiros. Mesmo assim, é possível identificar, dentro de algumas frases, trechos que poderiam ter sido extraídos de um poema lírico, como as falas de Richard que seguem.

Ex1: Durante suas tardes de infidelidade, alguma vez te ocorreu que eu, nesse momento, estou enfrentando balanços e gráficos?

Ex2: Quer dizer que quando você está com ele...você me imagina sentado no escritório afundando num mar de balanços?

Pão-de-poesia

Era uma meia dúzia de jovens extasiados, exalando o frescor das primeiras semanas de aula na faculdade de artes. Eles estavam estudando arte e isso, por si só, já era extasiante demais. Empunhavam poemas líricos e caminhavam em direção a Praia Vermelha, ouriçados com o momento que lhes aguardava: entregar suas palavras tão preciosas a pessoas desconhecidas, despreocupadas, despreparadas, desesperadas - ou não. Alguns ensaiavam a performance durante a caminhada, enquanto outros liam em voz baixa e havia até mesmo quem se distraísse com outros assuntos. Chegaram a escadaria principal do Pão-de-Açúcar. Uma turma de turistas saía, mas o número não era suficiente para o que eles queriam. Posicionaram-se nos degraus e aguardaram o próximo bondinho, que cuspiu porta a fora cerca de oitenta pessoas. Jovens, senhoras, crianças, famílias, brasileiros, europeus, asiáticos. Tinha pra todos os gostos. Era o momento ideal. Atacaram, com suas vozes juvenis e seus versos sonoros. Atiraram versos, olhares e sorrisos a todos que passaram. Aos que passaram sorrindo, aos que passaram inertes, aos que passaram fotografando, aos que brincaram e aos que não levaram muito a sério. Em meio ao bombardeio poético, uma pessoa parou, bem em frente a um deles. A partir de agora, escrevo em primeira pessoa e me cabe o lirismo da situação: Em meio ao bombardeio poético, ela, que eu não sabia o nome, que vinha não sei de onde e que ia pra qualquer lugar, parou sobre os meus versos, sob a minha voz e pôs-se a me escutar. Os outros passaram, os outros voaram, mas ela pousou. E os meus versos que ainda não faziam sentido pra mim, passaram a fazer sentido pro mundo, ao atravessarem a alma de uma desconhecida.


VÍDEO: http://www.youtube.com/watch?v=MnUXCLV20o0

O banquete do Zé
















Taças cheias e vazias
de vinho e alegria,
Dionísio e Afrodita,
brindavam a noite pornôpoética,
os sorrisos cibernéróticos
e a dedada digital.

Frutas, falos e vaginas
desmanchavam em bocas
sedentas de suor, sangue,
gozo e solidão.

Olhos cheios de nada,
vazios de quase tudo,
caçavam em meio às pupilas dilatadas
encontros teatrocinematográficos.

Submerso à peçaorgiafesta,
às pessoasartistasdeuses,
à vidaevoéficção,
o bode tatuado bebeu, cantou, dançou
e baixou os chifres
com saudade da cabrita.

sábado, 13 de novembro de 2010

Desprezo muito tudo isso

(Fábula criada a partir da rubrica inicial de Sarah Kane para "O amor de Fedra")



Um palácio.

Hipólito, jovem herdeiro de uma gigantesca rede de lanchonetes fast-food passou a sua vida trancado dentro de um palácio comendo besteiras, assistindo filmes violentos e brincando com suas dezenas de brinquedos eletrônicos até o dia em que as comidas acabaram, a televisão parou de funcionar e o telefone que era usado para acionar os funcionários emudeceu. Hipólito tentou comunicar-se sem sair do quarto, mas não conseguiu. Revoltou-se. Quebrou a TV, jogou o telefone pela janela, calçou suas meias imundas e tentou sair do castelo. Foi impedido. Segundo os seguranças, o pai de Hipólito havia proibido os funcionários de deixarem o filho sair, porque a imagem dele era aterrorizante demais e poderia ser usada contra a rede. Hipólito foi amarrado e levado ao seu quarto. Resolveu procurar seu aeromodelo, mas encontrou uma filmadora. Gravou um depoimento e enviou para a rede concorrente.

p01 ou Fronteiras Puídas

Uma cafeteria. Um homem e um extraterrestre sentados à mesa. Vestem ternos pretos e bebem cappuccino.

HOMEM: Cá estamos.
ET: Mais uma vez.
HOMEM: As coisas lá. Como andam?
ET: Na mesma e aqui.
HOMEM: Também.
ET: Imaginei.

HOMEM: E o trânsito?
ET: Infernal.
HOMEM: Véspera de feriado, região dos astros...
ET: Exatamente.

HOMEM: A empresa. Vai bem?
ET: Prosperando. Muitas reservas.
HOMEM: Petróleo?
ET: E gás!
HOMEM: Depois de tantas guerras por aqui.
ET: Tanta ingenuidade!

HOMEM (levantando o copo): Mais um?
ET: Tenho que voltar.
HOMEM: Fêmeas! Só mudam de endereço.
ET: Bom te ver!
HOMEM: Até!

(Deixam o dinheiro sobre a mesa. Saem para lados diferentes)